Confira o post inicial: Viagem Manaus – Ilha de Margarita (Venezuela) com o Ãndice de todos os relatos da viagem.
Após a saÃda da reserva indÃgena, passamos por uma placa que dizia: “Manaus: 202km”. Já faziam alguns quilômetros que a estrada estava ruim e o sol estava se pondo, então diminuà a velocidade. Cansados da noite mal dormida e de 1.800km rodados em dois dias, já sonhávamos com um banho e uma cama confortável na casa dos amigos que nos recepcionariam em Manaus.
Estavámos a 100km/h, contando o tempo pra chegar quando, no meio de uma curva, avisto uma sequência de crateras no asfalto. Não estou falando de buracos quaisquer: eram três buracos que atravessavam toda a pista de um lado ao outro. Travei os quatro pneus do carro por alguns metros e soltei o freio pra passar pelo indesviável, esperando pelo melhor… mas o melhor não veio: depois de um solavanco, senti o carro estranho e imediatamente ouvi o inquestionável barulho de ar saindo pelos pneus.
Parei o carro, liguei o alerta e fui conferir: pneus dianteiro e traseiro esquerdos estavam rasgados. Comecei a pensar no que fazer, ainda meio atordoado, quando dois rapazes de moto param para prestar assistência. Eles comentam que trabalham na manutenção da estrada dentro da reserva e que estavam voltando pra Manaus. Se abaixam e começam a me ajudar na troca do pneu dianteiro. Depois de alguns minutos um deles me diz: “Eu conheço um borracheiro na entrada da reserva, há poucos quilômetros daqui… Vamos trocar o pneu dianteiro e levamos o traseiro pra consertar”.
O rapaz, muito educado, pegou a moto e me chamou pra ir com ele. Fiquei meio desconfiado mas não tinha muitas opções e em uma decisão de momento decidi ir com ele. A pior parte era deixar a Viviane, ao anoitecer, à beira de uma estrada vazia com um estranho. Falei com ela que, assustada, acabou concordando e então eu fui, pedindo a Deus que nada acontecesse.
Rodamos cerca de 2km em direção à reserva e chegamos até um borracheiro. Ele olhou pro pneu com o rasgo e disse: “sem chance, só colocando uma câmara de ar… mas leve até o outro borracheiro que ele é mais esperto e talvez consiga alguma coisa”. Pegamos a moto e seguimos mais 1km. O outro borracheiro começou a fazer alguns testes – sem muita esperança – e nesse momento o rapaz da moto vira-se pra mim e diz: “eu vou até ali na venda comprar um cigarro e já volto”. Antes que eu dissesse alguma coisa, ele já estava na moto, voltando pela estrada por onde havÃamos vindo…
Nesse momento eu, que já estava com medo, comecei a ficar apavorado: já era inÃcio de noite, eu estava sozinho em uma estrada sem movimento (o portão da Reserva IndÃgena estava fechado), a Viviane estava sozinha há alguns quilômetros dali com um estranho e o rapaz da moto estava indo na direção deles… O que fazer?
Aguardei alguns instantes e… UFA! Lá estava o “rapaz da moto” (nem sei o nome dele) com os cigarros que tinha ido comprar. Mais aliviado (e com o pneu sem conserto – o diagnóstico do segundo borracheiro foi o mesmo), subi na moto e começamos a voltar. No caminho o rapaz me mostrou o único telefone que eu encontraria num raio de 20km, próximo de uma pequena mercearia.
Quando cheguei no carro, fui logo procurando a Viviane, e felizmente tive uma boa surpresa: ela estava bem descontraÃda, ouvindo o que o rapaz tinha a contar sobre os incidentes comuns na Reserva IndÃgena (históricas como a do dia em que Ãndias foram fotografadas tomando banho e a estrada foi fechada; a morte de um ancião da aldeia e o quase linchamento de uma enfermeira da FUNAI; as exigências excêntricas dos Ãndios e assim por diante).
Os rapazes da moto, muito simpáticos, tomaram seu caminho sem aceitar qualquer gratificação. Ficamos muito agradecidos e prometemos que passarÃamos o favor adiante quando surgisse a oportunidade.
Agora era noite e fomos, rodando com um pneu vazio, até o único telefone da região. A ligação pro seguro foi uma história à parte: o atendente quase não acreditou quando eu disse que estava “a 200km de Manaus, próximo a uma reserva indÃgena”, mas ainda assim me deu a resposta padrão: “não se preocupe senhor, estamos enviando um guincho e um taxi, a previsão de chegada é de 2h, por favor nos ligue em 30min pra confirmar”. 30 minutos depois liguei novamente e ouvi uma nova previsão pro guincho: 3h, ao mesmo tempo que me disseram que não encontraram nenhum táxi disponÃvel mas eu poderia pegar um táxi qualquer e seria reembolsado posteriormente, com a apresentação da nota fiscal. Pensei em responder que talvez conseguisse algum Ãndio pra me levar, mas me contive. :-)
Terminei de falar com o seguro e decidimos ligar pra nossos amigos em Manaus. Nesse momento o telefone ficou mudo. Iluminei com minha pequena lanterna o aparelho telefônico e vi a mensagem “A G U A R D E”. Havia um senhor ao nosso lado que usara o telefone há pouco. Perguntei o que essa mensagem queria dizer e tive uma grande surpresa na resposta:
“Ah, isso é normal, é por causa disso aÔ e aponta com sua forte lanterna para um cercadinho a 2 metros do telefone, onde vemos nada mais nada menos do que uma antena parabólica e um painel solar. “A bateria não aguenta muita carga à noite, mas logo o sinal volta”. E ainda completou: “o próximo telefone fica a 20km daqui, mas geralmente está quebrado… e esse aqui, quando quebra, demora muito pra ser consertado, pois o técnico da Embratel tem que vir de São Paulo”.
Um pouco pasmos, pegamos o carro e fomos para um posto de combustÃvel (fechado) do outro lado da rodovia aguardar pelo guincho, que só chegou depois de 5h30min, à s 01:30h. O carro foi colocado em cima do pequeno caminhão e nós fomos dormindo dentro dele (sim, em cima do guincho). O velocÃmetro do carro marcava 4.814km rodados. Os últimos 202, que completariam os 5.000 da viagem, foram de carona. :-)
Chegamos às 05:30 em Manaus, contamos a história completa pra nossos amigos e fomos dormir um pouco. Ainda no sábado coloquei uma câmara de ar no pneu rasgado e levei o carro pra empresa que o traria pra Curitiba. À noite embarcamos em nosso voo e aqui estamos, prontos pra próxima.

No aeroporto de Manaus, a caminho de Curitiba
Com isso encerra-se a história de nossa viagem, que apesar dos contratempos, foi excelente. Se você leu até aqui, espero que tenha gostado.
Por fim, deixo a grande e mais importante dica de todas: tenha sempre uma, ou melhor, duas câmaras de ar de reserva. :-)